Parece algo saído de um pesadelo numa obra de Stephen King. Você está lá, falando com as pessoas, mas ninguém se apercebe de você. Você bate no vidro, fala, grita, berra. Você sabe que está se esgoelando, mas então você mesmo percebe que você mesmo não ouve a sua voz. É apavorante! Você grita no vácuo, no vazio absoluto, morre no anonimato, no desesperançoso abandono.
No mundo digital, isso tem um nome: shadowban.
Na Antiga Grécia, os mandachuvas decidiam como se livrar de certas pessoas indesejáveis (para eles); então, faziam um plebiscito para decidir se o indivíduo era uma “ameaça para a comunidade”; e sim, era um plebiscito democrático de cartas marcadas. Se o resultado fosse positivo, o acusado era expulso da comunidade por dez anos, com risco de pena de morte caso retornasse antes. A ideia era que, quando voltasse, ninguém mais saberia quem era o sujeito, já que dez anos para aquele tempo era realmente MUITO tempo, muitos sequer vivendo o suficiente para voltar. Os casos mais notórios foram os de Temístocles, Aristides, Címon e Hiparco.
O shadowban é a mesma coisa, mas com um diferencial: você não volta, não é absolvido. Sequer tem um julgamento (mesmo que fictício). É a estratégia de muitas redes sociais de isolarem perfis com os quais elas não vão com a cara.
Uma pesquisa rastreou mais de 2,5 milhões de perfis do Twitter e descobriu que quase um em cada 40 foi jogado no inferno gélido do shadowban. Twitter se recusou a comentar para este artigo, mas eles não iria admitir, certo? Uma das promessas do Elon Musk é acabar com o shadowban, principalmente para aqueles que pagarem pelo Twitter Blue, ou, como eu estou chamando, o Selo Viagra.
Mas o Twitter não é o único. Um outro artigo aponta como o Instagram oculta sistemática e silenciosamente o conteúdo de pole dance da guia “Recente” de suas hashtags e das páginas “Explorar”. E tem a parte de como volta e meia bane postagens de quadros e obras de arte confundindo com nudez explícita. Já o Facebook, não tem muito o que comentar. Desde sempre se soube que ele limita o alcance das postagens e se você quiser que mais pessoas veja, terá que desembolsar dinheiro.
O que ninguém está comentando é um dos campeões do shadow banning: o Google.
Vou dar um exemplo simples. Aqui uma busca no Google:
Aqui a pesquisa com o mesmo termo, mas ferramenta diferente:
Sim, isso mesmo. Por sinal, o outro blog está alocado no Blogspot, que é do Google. Coincidência, né? Afinal, alguém com o moto “Don’t be Evil” jamais sacanearia assim, certo? Mas faz. Isso que ajudou a matar os blogs do passado. Eles simplesmente não apareciam (e muito ainda não aparecem) nas pesquisas. Então, muitas vezes você busca por algum texto que você tem certeza de que existia e não o encontra mais. Mas ele existe, só está banido pelo Tribunal da Internet. Mas, claro, nada que comprando o adwords você não passe a ser visto. Dos desonestos, Facebook é o menos, já que ele nunca arrogou ser bonzinho, nem que ia dar visualização irrestrita.
É preciso sempre lembrar: o Google não é bonzinho, nenhuma empresa é. Ele não está lhe fornecendo uma busca porque gosta de você. Nele ele, nem a Microsoft e nem o DuckDuckGo, e se você pensa que estes últimos são bonzinhos, prepare-se que fatalmente vai dar com os burros n’água.
No final, quem acabou com a Internet não foram as ditaduras sanguinárias de países, mas a ditadura dos censores da própria Internet, todos lá nas redes sociais que tremem de medo quando falam em liberdade de expressão, mas isso é uma outra história que qualquer dia eu abordo.