Ontem o André postou sobre o aspecto comportamental acerca das decisões controversas do Twitter (e outras redes sociais também fazem, mas sem o mesmo impacto de mídia) sobre sua moderação de conteúdo.
Não leu? Vai lá e aproveita.
Hoje vamos falar sobre coisa que pouca gente fala e muitas vezes quando fala é de uma forma apaixonada (talvez aqui também seja). Pra começo de conversa uma pequena pergunta:
Você sabe o que as redes sociais vendem?
Se diz que é aquela maldita publicidade direcionada que mostra o sapato que você acabou de comprar na Amazon pode-se dizer que você errou, quase acertou; e se eu fosse o professor corrigindo tiraria o ponto e diria “quase” (mas de caneta azul, porque se eu usar caneta vermelha a turma da pedagogia vai dizer que estou te oprimindo e outros diriam que sou comunista).
As redes sociais vendem você!
Mas não exatamente você.
Eles pegam tudo que você coloca nas redes sociais e armazena. Elas pegam suas opiniões, falas, mensagens particulares e até mesmo aquele nude maroto que você envia e depois apaga é analisado. Não necessariamente por pessoas, diga-se, uma rede social como o Twitter (e vou me limitar ao Twitter porque é onde estou habitualmente) possui milhões de usuários, então, obviamente é impossível que alguém vá no seu perfil e fique observando seus nudes (se você tiver uma conta verificada ela foi verificada), mas tudo que você deixou ali vai para um banco de dados que representa sua pessoa na internet.
Aí o que as redes sociais fazem? Elas vendem seus dados para não serem obrigadas a te remunerar sempre que vendem os dados sobre o que você faz ou fez para anunciantes eles retiram os dados de identificação (conta de usuário, e-mail, telefone, etc) e vendem tudo que você falou sob a forma de relatório. Mas não somente você, com base em uma busca por termos específicos (como “futebol”) varrem todos os usuários que falam disso. E o anunciante por sua vez pede inserção comercial (o anúncio) em todos que usaram esse termo.
Bonito isso, né? Mas algumas entidades e governos não gostam disso (até porque eles tem contas nas redes sociais) e consideram como invasão de privacidade, porque ainda que não sejam punh, ops, funcionários acessando dados teoricamente criptografados (eles tem a fechadura e, também, a chave mestra – a popular conta do Admin) mas algoritmos teoricamente sem participação humana (foram programados por seres humanos, mas são detalhes) que varrem constantemente essas bases em busca do que é mais importante atualmente em mercados: tendências. São informações absolutamente estratégicas e que ao contrário da Mãe Dinah que apenas fazia chute com base em alucinógenos são baseados em fatos e permitem traçar modelos de previsão para cenários mercadológicos.
Complicou, né? Vamos exemplificar.
Uma empresa patrocina um cantor. Aí passa a monitorar, ou deveria, tudo que sai sobre ele para assegurar que esse cantor ande de acordo com a linha da empresa e não fale coisas que poderiam prejudicar os negócios. Antigamente, profissionais de comunicação social faziam o que chamam de “clipping“, que era basicamente comprar jornais e revistas especializadas, ler tudo e assinalar nas matérias onde ele aparecia. Era chato e exigia muito esforço humano, além de não cobrir quando pessoas estão em casa assistindo novela e do nada no jornal aparece notícia que o cantor foi pego falando frases antissemitas. Hoje em dia, com a ajuda de um moço do computador, ele cria um script que fica rodando o tempo todo varrendo a internet em busca de notícias e quando algo aparece imediatamente as pessoas recebem um recado fofo (se aparecerem 99+ notificações já se sabe que aconteceu algo muito ruim).
Só que aí que está o pulo do gato. As empresas te bisbilhotam, as empresas pegam tudo que você publica e vendem, mas como impedir que países atuem para impedir que você faça isso? E é aí que chegamos as métricas.
O pulo do gato.
Tornando-os tudo (ou quase tudo) público. Facebook, Instagram, Twitter, TikTok todos eles tornaram tudo virtualmente público. Se procurar por seu nome, nick ou apelido no Google, existe a possibilidade de encontrar todos os seus registros nessas redes sociais, tudo bagunçado, claro. Fotos de 2013 misturadas com fotos de perfil, uma verdadeira salada de informação. Se quiser algo mais estruturado e organizado se vira. Se você morar no Brasil encontra até dados que deveriam ser sigilosos, mas o Governo (qualquer um) jogou na internet quando você inocentemente fez um concurso público, se formou na escola, etc. e publicaram o pdf no Diário Oficial.
O objetivo é simples: fazer o Pilatos e transferir a responsabilidade da gestão de nossos dados públicos para nós mesmos. E com isso deixar os governos felizes (menos a China, lá eles tem acesso total mesmo, e se quiser privacidade você que poste seus nudes impressos na caixa do correio do amado e torça pra nenhum guarda do governo que está te vigiando não pegar antes).
Dessa forma, se um dia você faz upload das festas da firma ficaram ótimas no Facebook se no meio das fotos estiver, digamos, uma foto sua mostrando como o Harry Potter faz magia com varinha, o problema é todo seu se a foto aparecer no Google e depois no celular do seu chefe. Se quiser privacidade, ainda que relativa, as ferramentas fornecem várias, mas você vai achar que está tudo bem, que ninguém acessa, etc. e tal. Mas lembra do algoritmo que falei lá em cima? Ele acessa. E continua fazendo relatório.
E o que isso tem a ver com o Twitter?
O Twitter é uma rede social pequena, minúscula, em matéria de dados quantitativos é irrelevante perante a quantidade de material informacional disponível em uma Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp, basicamente) por exemplo, porém foram pioneiros na aproximação das pessoas comuns com personalidades realmente relevantes (governos, artistas, bilionários, empresas, etc.).
Enquanto em outras redes sociais a interação entre esses públicos resume-se a “eu posto, você consome e no máximo dá like ou comenta”, o fio condutor do Twitter é a resposta. Twitter nunca foi sobre a quantidade de usuários, mas sobre a qualidade de seus membros; até porque você no Twitter é texto, e texto curto, não imagem ou textão (que ninguém lê, lugar de textão é aqui, nos blogs). No Twitter era possível falar com o Luke Skywalker e ele te responder. Você mandava uma mensagem para uma empresa reclamando da prestação de um serviço e eles te atendem mais rápido que no telemarketing. Você queria tirar uma dúvida de Química com um Índio e ele te responder? Podia também.
Atualmente não pode mais.
Interagimos menos do que ontem e amanhã será ainda menor.
E não fui eu quem disse, foi o Twitter.
Por causa dessa possibilidade de interação e proximidade muita gente se especializou em perseguir pessoas e celebridades, a chamada “cultura do cancelamento”. Quando você quer muito causar sofrimento a alguém faz uma pesquisa por sua própria pessoa no Twitter, escolhe alguém aleatoriamente por falar algo que discorde, e manda sua turba ou panelinha atacar a pessoa até que ela simplesmente desista da rede social. Virou uma verdadeira montanha de problema para a empresa que começou a ser questionada, com razão, por a ausência de combate a isso.
E “cultura do cancelamento” não é exclusivo do Twitter.
Pessoas e grupos, que considero criminosos, se organizam para atacar pessoas comuns e celebridades em qualquer plataforma. Valem-se da flexibilidade e facilidade de criação de contas sem qualquer tipo de responsabilidade pessoal (como uso de documentos) para bombardearem qualquer um com ofensas. Algumas tentativas de outras redes sociais são feitas para limitar, mas no geral é basicamente bloquear e denunciar. Mas somem apenas para você, as ofensas dependendo de onde aconteceram continuam acessíveis, o assunto continua rendendo e você só fica sem ver.
O Twitter decidiu resolver isso usando o algoritmo. Com base em um dicionário – cada vez mais amplo – passou a realizar tanto busca ativa de palavras proibidas (palavrões no geral), quanto baseada em denúncias. Só que sem participação humana e sem possibilidade real de apresentar recurso. E isso virou uma nova arma, porque aqueles que possuem mais fanáticos ou contratam serviços de bots (contas automáticas para cumprir funções pagas por terceiros) conseguem derrubar todo e qualquer conteúdo porque o algoritmo não considera contexto, apenas palavras. Aconteceu comigo, mais de uma vez.
Postagens criticando uma postura preconceituosa (um de 2016) foram colocados fora do contexto e precisou ser apagado porque alguém (muitos “alguéns”, certamente) denunciaram e o sistema que apenas capta palavras de um dicionário disse “ok”. E o botão de recurso não te permite continuar a navegar enquanto não analisarem, não tem opção. Quando você é mal intencionado simplesmente ignora e adeus, quando tem relações com pessoas e quer manter acaba apagando e mudando seus hábitos.
Já tinha da última vez que levei gancho por motivo parecido passado a interagir menos, adotado um texto mais defensivo, evitado assuntos. Agora com a atualização do dicionário de palavras proibidas isso se torna cada vez menos possível, com a possibilidade que o André disse ontem, de um “bom dia” virar motivo de banimento (não que já não seja, tendo em vista os Inimigos da Felicidade que perseguem postagens celebrando que comeram sorvete).
Cansei, prefiro interagir com o que tenho do que interagir com o bloco de notas porque o Twitter me baniu.
Depois de hoje decidi trancar minhas contas. Pro algoritmo que acessa o que posto é irrelevante, mas sob o ponto de vista de interação é horrível. No longo e médio prazo o cadeado acabará com o principal diferencial do Twitter que é a troca de ideia entre pessoas comuns e celebridades. Se não consigo mandar uma piada para o E-Farsas e ele me responder, vou para outra rede social onde também não serei respondido.
Ou para nenhuma.
E quanto mais pessoas fizerem isso, menos dados serão gerados.
Até que somente terão no Twitter as postagens de bots defendendo políticos, jornalismo declaratório e os 17 leitores do Agamenon.
Ou nem isso.
E quem vai pagar pelos dados de uma rede social silenciosa?
Nem o Elon Musk pagaria por isso, e olha que ele gosta muito de jogar dinheiro no bitcoin, ops, lixo.
Amei a abordagem…!
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